October 8, 2024

É comovente o amor de Pedrito de Portugal

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É comovente o amor de Pedrito de Portugal

PorLuís Osório

12 Setembro, 2023 • 18:13

1.

Nos últimos anos tenho evitado escrever sobre touradas.

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Ataquei o cavaleiro João Moura por causa dos cães que maltratou, mas não fiz nenhuma referência positiva ou negativa às touradas.

Se queres sinceridade, e tentarei ser o mais franco possível, sempre me senti dividido.

Racionalmente não posso estar ao lado de quem defende as touradas – pelo evidente anacronismo, pela dignificação dos animais, pela incapacidade de perceber a necessidade de existir um espetáculo onde se aplaude o sofrimento.

Por outro lado, impossível ficar indiferente à beleza poética e literária de um toureiro a enfrentar na arena, mano a mano, um touro bravo e em pontas, um animal criado que ali está, como o toureiro, para matar ou morrer.

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2.

Há uma parte de mim que rejeita e reconhece a semente de barbárie das touradas. E que abomina a ligação da “festa brava” a um segundo anacronismo, o das famílias, o dos privilegiados, o dos latifúndios.

Mas outra que lê Hemingway na sua “Fiesta” de Pamplona, ouve falar sobre Manolete, dá um abraço ao Ricardo Chibanga depois de há uns anos o ouvir contar histórias impossíveis de esquecer, vê corajosos forcados em movimento ou campinos garridos.

Esta é a primeira vez que escrevo sobre touradas.

Também por ser um assunto extremado e impossível de ser conversado – os que atacam e os que defendem são, demasiadas vezes, intolerantes à opinião dos que não pensam igual.

O radicalismo, qualquer que ele seja, afasta-me.

3.

No entanto, há momentos em que não dá para aguentar.

Às vezes nem é pela importância, o meu momento chegou numa entrevista dada por alguém que não é propriamente muito hábil no modo como defende as touradas, para não dizer que é falho de compreensão do mundo em que vive.

Falo-te de Pedrito de Portugal.

Um matador caído em decadência muito, ao que se diz, pela violência com que foi colhido, uma violência que o condenou ao medo. A partir desse infortúnio nunca mais recebeu o touro como antes o fazia, deixou por isso de ter lugar nas melhores corridas.

Pedrito, numa entrevista ao Expresso, disse algumas barbaridades que fizeram mais pela causa dos que defendem o fim das touradas do que mil campanhas publicitárias.

Entre outras preciosidades, o nosso Pedrito quis provar que tinha mesmo, como o seu nome indica, 12 anos.

“O touro não sofre. Eu já tive seis cornadas, as pernas todas abertas, e não morri de dor”.

Muito bem, segunda pérola.

“Enquanto Deus entender que a tauromaquia tem um benefício, seja ele qual for, vai continuar a existir. Quando não for assim acaba como acabou o Muro de Berlim”.

Perfeito, terceira pérola.

“Todas as pessoas que vão às manifestações à porta do Campo Pequeno cobram 25 euros para lá estar, ninguém ali está preocupado com o sofrimento dos animais”.

Quarta pérola.

“Se os animais não têm deveres então também não têm direitos”

E última de tantas outras que aqui podiam estar.

“Lembro-me de um dia muito comovente, a praça cheia de gente com lenços brancos e a gritar “mata”, “mata”, “mata”. Foi com todo o amor que matei o animal”.

4.

Pedrito de Portugal é ele próprio um anacronismo.

Diz coisas que não parecem normais, coisas que parecem ter sido escritas pelo Ricardo Araújo Pereira ou pelo Bruno Nogueira.

Mas Pedrito não está sozinho.

Há pessoas que têm a mesma opinião.

Gente que é capaz de dizer as coisas mais extraordinárias tendo a certeza de que aquilo que dizem é verdadeiro.

Estou convencido de que Pedrito acredita naquilo que está a dizer, acredito que na sua cabeça não está a mentir.

E isso é muito mais assustador.

Porque não dá para discutir com malta que acredita que a Terra é plana e que Deus Nosso Senhor está mesmo preocupado com a importância de uma boa bandarilha no lombo de um animal que na arena se baba e sangra, mas não tem de se queixar porque não tem direito a isso.

Os bois bravos só têm de agradecer por serem picados com amor pelos Pedritos desta vida.

Não dá.

Lamento, mas não dá mais.

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